sexta-feira, 1 de janeiro de 2010

Capitalismo brasileiro entra em novo ciclo

Não sei se sou o primeiro a detectar um novo ciclo da economia brasileira, dando como ponto de partida 2010, a primeiro ano do segundo decênio do século XXI. É sempre arbitrário datar o início de uma nova etapa econômica, que talvez tenha começado em 2009, um ano que a economia vai ter um crescimento muito próximo de zero, ou antes. Certamente, as grandes linhas desse novo ciclo de expansão foram desenhadas nos últimos anos. O ano redondo de 2010, quando o PIB nacional deve crescer entre 5,5% e 6%, me parece, de qualquer forma, mais fácil de fixar na memória coletiva como marco de uma virada.
Algumas grandes características marcam este novo ciclo. Muito já se falou sobre a primeira dessas transformações históricas, como a emergência de uma nova classe média, resgatando as faixas cada vez mais extensas da população de mais baixa renda, com sinais nítidos no consumo interno, como se tem visto nos últimos anos. Esse processo deverá ter continuidade e a expectativa é que, com o progressivo avanço da educação no País – que, apesar de suas graves deficiências – vem ocorrendo, contingentes maiores das classes C e D ascendam a um patamar mais elevado de renda.
Outro aspecto que não pode passar despercebido é o tendência firme para fusões e incorporações de empresas. Temos visto grandes fusões e aquisições em todos os setores dessa economia e esse fenômeno não vai parar aí. No comércio, destaca-se a compra pelo Pão de Açúcar primeiro do Ponto Frio e, mais recentemente, da Casas Bahia. Na indústria, tivemos a compra da Quattor pela Braskem (ainda envolvida em batalha judicial), criando o maior grupo petroquímico do Brasil e um dos maiores do mundo. Ainda na área do petróleo, a Petrobras, quase às vésperas do Natal, fechou um contrato com a PetroChina, para a produção de etanol no País. Anteriormente, a estatal do petróleo havia anunciado que investiria R$ 150 milhões na compra de 40% da Total Canavieira. No setor financeiro, além das mudanças externas, com reflexos no Brasil, como a incorporação pelo Banco Santander da compra do ABN/Real, tivemos a junção do Unibanco pelo Itaú, mais uma aquisição do primeiro pelo segundo do que uma fusão. Entre os bancos públicos, o Banco do Brasil disparou incorporando o Banco do Estado do Piauí (BEP), do Banco do Estado de Santa Catarina (BESC), do Banco Nossa Caixa, anteriormente controlado pelo governo paulista, e a aquisição de 50% do Banco Votorantim. Já a Caixa Econômica Federal comprou há pouco 50% do Banco Panamericano, que era controlado pelo empresário Sílvio Santos.
O que se observa é que os bancos públicos, que vinham batendo em retirada com a entrada na década de 1990 dos bancos estrangeiros e com a incorporação dos bancos comerciais estaduais pelos bancos privados nacionais, inverteram o jogo, tendo tido uma atuação agressiva na crise de crédito que se sentir mais agudamente no Brasil a partir de outubro de 2008. Hoje, os bancos estatais não compram apenas como instituições controladas por governos estaduais. Assumem também o controle operacional de bancos privados, como o Votorantim e o Panamericano e outras instituições podem vir nessa esteira. A iniciativa passa agora para os grandes conglomerados financeiros privados.
Um terceiro ponto também será marcante nesse novo ciclo. A arrancada das multinacionais brasileiras, ou seja, empresas de capital originalmente nacional que têm negócios em expansão no exterior, seja por meio de subsidiárias, seja pela compra de empresas de países dos quatro cantos do mundo. E não estou falando apenas de Petrobras e Vale. A Petrobras, como mencionou recentemente o economista e brasilianista Kenneth Maxwell, está entre as 25 maiores empresas do mundo, e a Vale, a segunda maior mineradora do planeta, está muito próxima de ingressar nesse grupo. Há diversas outras empresas de origem brasileiras que são hoje legítimas empresas multinacionais.
Sem pretender fazer uma lista completa, aí vão as empresas brasileiras com extensas atividades no exterior, além de Petrobras e Vale: Gerdau, Embraer, CSN. Braskem, Votorantim Cimentos, Brazil Foods, JBS-Friboi, Odebrecht, Camargo Corrêa, Andrade Gutierrez, Tigre, Sabó, Datasul, Metalfrio, Weg, Marcopolo, etc. Calcula-se, por baixo, que empresas brasileiras tenham hoje US$ 90 bilhões a US$ 100 bilhões aplicados em subsidiárias ou empresas controladas no exterior. Em recentes declarações, o presidente do Banco do Brasil, Aldemir Bendine, disse que existem 185 grandes grupos econômicos brasileiros com presença global.
Uma particularidade deve ser mencionada. Esse movimento das empresas brasileiras é uma reação natural ao influxo de investimentos estrangeiros diretos (IED), muitas vezes utilizados para a compra de empresas constituídas no País e que se defrontaram com dificuldades, seja de natureza interna, seja de natureza externa, por terem deixado de ser competitivas no mercado global. Muitas vezes, trata-se associações que vêm reforçar uma rede comercial, uma indústria ou agroindústria. Outras vezes, o capital externo avança sobre áreas tradicionalmente dominadas pelo capital nacional, como vem ocorrendo com as usinas produtores de açúcar e álcool. O que provoca um movimento igual e contrário.
De outra parte, a cotação do dólar na faixa de R$ 1,70 a R$ 1,75, um sério entrave para a exportação, torna, ao mesmo tempo, mais viáveis aquisições ou instalação de subsidiárias de empresas brasileiras no exterior. Com reservas cambiais ao redor de US$ 240 bilhões e com um nível de inflação relativamente baixo, o País é impulsionado a se tornar um “player” global. “Este prestígio”, escreveu na Folha de S. Paulo o presidente da CSN, Benjamin Steinbruch, "abre também espaço para voos externos das grandes empresas num momento em que a economia mundial deverá voltar a crescer, de acordo com o FMI, 3,1% em 2010."
Por última não menos importante, é a decidida liderança que o Brasil assume na área ambiental. Com uma matriz energética limpa, com destaque para a energia hidrelétrica, com a realização pela Agência Nacional de Energia Elétricas (Aneel) do primeiro leilão para aproveitamento de energia eólica e sendo o País o produtor mais eficiente de etanol a partir da cana, o Brasil já reune credenciais para essa liderança. Agora, essas vantagens adquirem uma conotação política. O discurso do presidente Lula na reunião de Copenhague, foi talvez o mais aplaudido da Cop 15, o que não impediu que a conferêcia tivesse sido um fiasco. Mas o País manteve o compromisso assumido. No estertores de 2009, foi sancionada a Política Nacional sobre Mudança do Clima, institucionalizando a meta de redução entre 36,1% e 38,9% das emissões de CO2 até 2020, o que é uma política afirmativa de grande importância no cenário internacional.
A principal crítica dos ambientalistas é que o discurso do Brasil sobre mudanças climáticas e outros temas ambientais é muito bom, mas falta colocar em prática as medidas anunciadas e tratar da conservação também dos recursos naturais. Entre as intenções e a prática vai uma longa distância, e isso vale não só para o governo federal como o dos Estados, como São Paulo, que tem também uma meta ambiciosa de redução de CO2. Mas não há dúvida de que a sociedade brasileira apóia essa política e muito signifiativo que os três principais pré-candidatos à Presidência da República - por ordem alfabética - a ministra Dilma Roussef, o governador José Serra e a senadora Marina Silva, tenha respondido presente na Cop 15. Essa trinca é um grande trunfo.
As empresas também podem lucrar com essa postura. As que exportam são cada vez mais pressionadas a adotar o selo verde para que seus produtos sejam aceitos pelos consumidores estrangeiros. A indústria se preocupa com objeções ambientais a novos projetos de infra-estrutura, mas se pode caminhar para um entendimento nessa área, como tem sido sugerido com a inclusão de técnicos em meio ambiente em todas as etapas dos projetos, indo da elaboração, licitação e construção. As empresas sabem o fato de que, instaladas em um país com metas definidas quanto à redução dos gases de efeito estufa e à proteção ambiental, isso funciona também como marketing.
Nada disso quer dizer que, necessariamente, o Brasil deve tornar-se um país desenvolvido na década que se inicia. Com muito a fazer na área de infraestrutura, saneamento básico, saúde e educação, segurança pública, o País está pronto para o salto, mas ainda o ensaia. O Brasil está ainda na rabeira em termos de desenvolvimento humano e o que se espera é que a Copa do Mundo de 2010 e as Olimpíadas de 2016 tenham pelo menos um efeito colateral na direção da melhoria das condições de vida de milhões de pessoas. Seja como for, ao longo da década 2010/2019, será cada vez mais difícil que o Brasil seja visto e aceito como apenas como emergente no âmbito global.

sexta-feira, 18 de dezembro de 2009

Dispersos finalmente reunidos

Conheci Garibaldi Otávio, o Gari, há 43 anos, contando só até 2009. Lá por volta de 1966, eu trabalhava em Atualidades Médicas, como editor de texto - imaginem só o que a gente não faz para sobreviver! Eu era um "expert" em tradução de matérias médicas americanas que o Philip Querido, o gringo que era dono da revista brasileira, tinha o "copyright". Basicamente, era este o conteúdo e uma ou outra matéria brasileira, de autoria de repórteres, entre os quais se destacava o percuciente Haruo Okawara, então estudante de medicina e hoje um respeitado médico que eu e outros amigos, inclusive o Gari, consideramos o nosso gerontólogo.

O editor-chefe, Francisco José Pelucio, me disse um dia que estava com intenção de contratar um tradutor novo e pediu que eu lhe passasse um teste. No dia seguinte, ao chegar à revista já encontrei um jovem muito magro, de cab eça grande, encolhido no paletó, me esperando para o teste. Vi logo que era gente da "cortina do jabá", como era chamado o canto em que trabalhavam, na Última Hora, os nordestinos refugiados em São Paulo em razão golpe militar de 1964. Mineiro, auto-exilado, decididamente contra a ditadura, eu me dava muito bem com o pessoal do jabá, que encontrava de vez em quanto. Resolvi não dar o texto para traduzir na hora. Era melhor o candidato a emprego levá-lo, já que era um texto especializado, que exigia muita consulta a dicionários, e o devolvesse daí alguns dias.

Gari encarou o desafio e me trouxe a tradução, algo capenga, no prazo combinado. Vi que, como texto para uma revista médica, exigia um bom copidesque, mas que o tradutor redigia bem. E, com meu parecer favorável, Pelucio, ele próprio também ligado ao jabá, o contratou. Mas minha amizade com o novo tradutor, que, como vim a saber, era um ex-oficial de gabinete do governador deposto de Pernambuco, Miguel Arraes, começou mesmo no boteco nas proximidades. Convidei-o uma noite para tomar uma cerveja, e o papo se estendeu por horas.

Não aguentei muito permanecer naquela revista. Era obrigado a ler inúmeras matérias sobre os males que afligem a humanidade, as últimas novidades em cirurgias e em tratamentos sempre heróicos a que eram submetidos os pacientes e comecei a sentir sintomas estranhos. Às vezes tinha a impressão de que eu era portador de alguma todas aquelas doenças tratadas com tão seriedade pelos autores das matérias. E, vencido pela hipocondria, deixei a revista e me desloquei para o jornalismo de economia e para outros escritos, o que funcionou como um bálsamo.

O Gari também não ficou muito tempo. Logo encontrou um abrigo mais seguro nos suplementos da Folha de S. Paulo, território já desbravado pela turma do jabá. Depois trabahou como editor para uma empresa de consultoria em Porto Alegre, entrou e saiu da Gazeta Mercantil umas três vezes, uma delas para retornar ao Recife, onde fui encontrá-lo no velho Jornal do Commercio. De volta a São Paulo trabalhou na reitoria da USP, voltou à Gazeta Mercantil e, ultimamente, ei-lo em Pernambuco como assessor especial do governador Eduardo Campos, a quem conheceu na barriga da mãe, filha de Arraes. E lá permanece, com breves passagens por São Paulo, onde conta com uma multidão de amigos.

Boêmio dos dias úteis e inúteis, é conhecido como letrista, parceiro, entre outros, de Carlinhos Vergueiro. Em São Paulo,Gari é até hoje daquelas pessoas que todos os garçons dos bares mais frequentados pela numerosa classe dos compositores, músicos, admiradoras, jornalistas e adjacências conhecem e cumprimentam pelo nome. E, sem dúvida, alguns já o observaram escrevendo em um papel ao lado de outros companheiros que cantarolam. Ou sozinho num canto.

O amigo que conheço é mais que um bom letrista, o que já seria uma grande qualidade. É um poeta, dos melhores que conheço. Algumas vezes, ele me mostrou alguns de seus poemas e já o vi também fazer o mesmo com Aluizio Falcão, grande amigo comum, e com Jorge Wanderley, o poeta e tradutor de Shakespeare que perdemos por algum remate daqueles males de que tratava Atualidades Médicas, onde Jorge também operou (sua especialidade era escrever sobre cirurgias, área em que estava se especializando). Quando vinha a inspiração - hesitei em usar esse termo, tão desvalorizado pelos poetas, como João Cabral, que se esmeravam em trabalhar os versos - mas, enfim, quando lhe dava na telha, Gari escrevia em papel de embrulho de pão, quando estávamos em alguma padaria, em guardanapos de papel de restaurante ou nas costas de envelopes ou folhas com anotações que sacava do bolso. Assim, ele escreveu muitos de seus poemas, alguns dos quais ele mandou para a lata do lixo, outros ele guardou zelosamente. Alguns amigos, como eu, são possuidores desses textos de ocasião, que passaram depois pelo crivo autor ao longo dos anos.

A boa notícia é que os poemas dispersos de Garibaldi Otávio, escritos ao longo de décadas, foram agora, finalmente, enfeixados no livro "O Girassol", de capa dura como convém, com uma belíssima capa, editado pela Companhia Editora de Pernambuco (CEPE), com um excelente prefácio de Aluizio Falcão, a cujo lançamento em outubro, no Recife, não pude, infelizmente estar presente. O Girassol é o título do primeiro, poema do livro, um clássico garibaldiano, conhecido por todos os iniciados. Mas tem muita coisa mais, inclusive as letras de algumas canções de que foi parceiro e que lhe renderam alguns cobres (espero que ainda lhe rendam). Aguardo o lançamento em São Paulo, que, certamente, será tão concorrido e tão festivo como o segundo casamento do Gari. Ele hoje está de novos e felizes amores, que o grudam à velha província natal. Como edições de poesia são limitadas, aí vai uma prova do biscoito fino do forno do poeta.

Acaso é estéril o pólen do meu desejo? Mais que desejo, o metal

da música da vontade.

E acaso o amor resiste a uma falsa dignidade?

Ah! O peso plúmbeo das respostas.

Há mais do que nós nessa jogada. Há o prazer como fel,

o soco da volúpia (terível dor da carne inanimada).

Há este querer antigo, e há

- esquivos pássaros de fogo que nos fogem -

o que não temos ainda

simplesmente por não termos procurado.

segunda-feira, 14 de dezembro de 2009

Muito barulho por dígitos

Causou muito alvoroço no início de dezembro a divulgação pelo IBGE de que a economia brasileira no terceiro trimestre cresceu "apenas" 1,3%. Houve decepção de muita gente, mesmo porque, no dia anterior à divulgação, o ministro da Fazenda, Guido Mantega, havia declarado que o PIB no terceiro trimestre cresceria 2%. É compreensível que o ministro tenha ficado "indignado" com o IBGE, como se noticiou, mas, na realidade, saber se a economia cresceu 1,3% já é, em si, uma boa notícia. Significa que o Brasil livrou-se da estatística recessiva, depois de dois trimestres negros. Se a taxa não chegou a 2% não interessa muito. Os sabichões do mercado, que erram mais que acertam, já estão projetando uma queda do PIB, em todo ano de 2009, em 0,26%. É muito pessimismo. A melhor aposta é que será uma taxa diferente de zero, mas positiva, o que já está muito bom e, o que é realmente importante, não muda as perspectivas para 2010.
Se quiserem olhar pelo retrovisor, o País está muito bem, comparativamente. Segundo projeções da abalizada revista The Economist (12/12), o PIB dos Estados Unidos em 2009 pode ter uma variação de -2,5%, o do Japão, -5,4%, da Grã-Bretanha, -4,5%, e o da Área do Euro, -3,8%, E como vão nosso vizinhos? Bem ruizinhos também: a previsão da revista para o PIB da Argentina é de -0,5, do Chile, -1,2%, do México, -7,1% e da Venezuela-3,0. Salva-se a Colômbia com uma taxa positiva de 0,2%, mais ou menos igual à do Brasil. Por sinal, a revista britânica, prevê para o Brasil um crescimento nulo (dado calculado antes da recente divulgação do crescimento no trimestre pelo IBGE). Claro, perdemos feio da China (expansão fantástica de 8,2%) e da Índia (5,5%), como tem sido o padrão nos últimos anos.
Nesta altura, o que vale é olhar para frente. Depois de tudo o que foi dito, da gozação sobre o "pibinho", brasleiro, etc., a análise mais sensata parece ser a do economista Edmar Bacha, em entrevista publicada pela Folha de S. Paulo (11/12). Bacha, um dos pais do Plano Real, disse que vai rever a sua previsão do PIB para 2009, que era de alta de 0,3%. Mas "a economia", vai estar numa trajetória mais forte do que aquilo que a gente estima que seja o potencial de crescimento", observou. E , por isso, continua cravando um crescimento de 6% do PIB brasileiro em 2010.
Dizem - e, a meu ver, não provam - que o crescimento potencial da economia brasileira é de 5%. Sou vacinado contra a euforia desde o tempo do "Brasil Grande", mas isso me parece uma grossa bobagem. É claro que é uma missão quase impossível manter as contas públicas em ordem ou, pelo menos, impedir que os gastos correntes avancem em termos reais, especialmente em um ano eleitoral, como 2010. A infraestrutura do País é reconhecidamente precária. Mas é exagero pensar que as vendas no mercado interno seguirem em elevação, se exportarmos bem mais produtos manufaturados e se os preços das commodities subirem, teremos problemas intransponíveis. Dizer que as pontes vão cair, as estradas vão desbarrancar, teremos apagões cataclísmicos, só haverá lugar no porto para as ratazanas, se a economia brasileira se expandir mais de 5% ao ano é coisa de economistas ortodoxos trancados na sala de aulas e que não permitem abrir as janelas. Problemas do crescimento dão origem a soluções, muito mais rapidamente do que eles pensam. E uma coisa que os empresários brasileiros sabem fazer é se virar.
Sim, os juros, mantidos pelo Banco Central (BC) em 8,75% a.a., embora a inflação projetada para os proóximos 12 meses seja de 4,2%, podem subir. Pressão de demanda, apesar de ela poder ser atendida pela produção interna e pelo aumento das importações, sempre apavora o Comitê de Política Monetária (Copom). Sob esse aspecto é até bom que a expansão da economia tenha sido só de 1,3% no terceiro trimestre. Isso pode acalmar a turminha danada do BC.
Por falar nisso, noticia-se agora que as importações superaram em US$ 4 milhões as importações na segunda semana de dezembro. Certamente é por efeito sazonal e este Natal já estám sendo chamado de "Natal dos importados", com a taxa de câmbio do jeito que está. Este, sem dúvida, é mais um indicador daquela trajetória mais forte, mencionada por Bacha. Com a taxa de desemprego caindo, com a capacidade ociosa da indústria se reduzindo, com o setor de serviços à toda e uma agricultura mais animada com as cotações internacionais, a economia tem tudo para deslanchar no ano que vem.
E, como se viu, não é uma meia crise, como a provocada pela doideira das aplicações imobiliárias no Emirado de Dubai, que vai perturbar a solidez dos bancos brasileiros, cuja regulação é hoje um parâmetro internacional Não por outra razão o o Banco Central do Brasil passou a integrar como membro efetivo os Comitês de Sistema Financeiro Global e de Mercados do Banco para Compensações Internacionais (BIS), o banco central dos bancos centrais. com sede em Basiléia, na Suiça. No BIS, o Brasil só aparecia, há alguns anos, encolhidinho e de cabeça baixa, como devedor relapso. Hoje, não é respeitado apenas pelo montante de suas reservas, que já emplacaram US$ 240 bilhões, mas porque aprendeu, com a inflação endêmica que o vitimava, que o fez trocar de moedas como se troca de roupa, a regular as suas instituições financeiras.
Em síntese, o Brasil só não cresce 5,5% ou 6% em 2010, se pintar outra crise internacional muito forte e se os seus empresários não forem dominados pelo sentimento do medo. Que Deus os poupem desse sentimento, como poupou a JK.

terça-feira, 8 de dezembro de 2009

Quem acredita no trem-bala?

Já houve quem dissesse que ninguém pode ser contra uma estrada no Brasil, um país ainda subdesenvolvido, e muito, em matéria de transporte. Agora, há ambientalistas que fazem tenebrosas previsões sobre estradas cortando a Amazônia. Bem, mas ninguém que eu saiba é contra sobre transporte em massa sobre trilhos. Mas trem-bala, nesse pós-campeonato, merecidamente ganho pelo Flamengo, é como um sonho de uma noite de chuva torrencial de verão. O custo é de nada menos de R$ 24 bilhões, isto é, o custo orçado, pois, como já é parte do nosso folclore político, uma obra desse porte não sai sem um acréscimo de 80% a 100%, sem levar em conta a inflação e presumindo - o que é uma presunção temerária - que haja um mínimo de corrupção. E quem vai bancar esse Trem de Alta Velocidade (TVA)? O governo, claro, prevendo-se um financiamento de R$ 20,9 bilhões do BNDES.

Se será necessário um financiamento público dessa proporção, por que realizar licitação para a seleção de investidores privados interessados no projeto? Por que o governo não banca sozinho a empreitada, mesmo porque, como mostra a experiência internacional, esses TVA costumam dar anos de prejuizos ou apresentar baixíssimos lucros antes de proporcionar uma boa remuneração para os investidores. Um bom exemplo é o trem-bala sob o Canal da Mancha - o Eurostar -, considerado um péssimo investimento. Até agora, a demanda pelo trem ligando Londres e Paris, em 2 horas e 35 minutos, por terra e pelo eurotúnel não é compatível com o investimento feito e, para salvar alguma coisa, pensa-se em estendê-lo, nas ponta inglesa e francesa. Turistas estrangeiros, ingleses, franceses e belgas (há ligação também com Bruxelas) têm preferido o avião, que faz o percurso Londres e a Paris em uma hora. E o brasileiros, que vão e vêm de São Paulo e Rio, muitas vezes em um dia só, poderiam preferir a via aérea, se, principalmente, os aeroportos fossem mais acessíveis.

Já estaria muito bom se tivéssemos um metrô que levasse os sofridos viajantes brasileiros ao aeroporto de Guarulhos, evitando o trânsito nas sempre engarrafada Marginal do Tietê, que foi feito mesmo para ser uma garrafa. E seria ótimo se o transporte sobre trilhos se estendesse a Viracopos, alternativa para Guarulhos, ou mesmo até Campinas, que fica a pertinho. Agora, fazer um trem-bala de São Paulo até o Rio, gastando bilhões para fazer desapropriações e remover montanhas, para ficar pronto até as Olimpíadas de 2016, é aquele tipo de obra que fica para o próximo governo e daí para o seguinte e daí para o São Nunca, um santo da especial devoção dos nossos governantes.

Seria muito mais sensato que fosse aprovado um projeto mais modesto, resolvendo o congestionamento das vias de acesso aos principais aeroportos paulistas, que são e continuarão sendo os mais movimentados do País. E que, com o dinheiro que sobrasse (se sobrasse), o governo destinasse os recursos ao combate de enchentes. Quando se fala nos problemas deste País abençoado por Deus, não merecem menção as cheias anuais, as chamadas catástrofes naturais, que derrubam encostas, matam muita gente dormindo e acordada, causam enormes prejuizos aos mais pobres, levam carros na enxurrada e causam centenas de quilômetros de congestionamento nas cidades. Não estou falando da cidade de São Paulo. Mas de também de Belo Horizonte, Porto Alegre, Florianópolis, Salvador. E não estou falando só de capitais e de grande metrópoles, mas de inúmeras cidades do interior à beira de rios e de lagoas.

Parece que o Brasil se esqueceu que é "um país tropical e chuvoso", como dizia Tom Jobim. E tome tempestade, e tome dengue, tifo, febre terçã...